24 de nov. de 2009

No meu passo...

Foto: Tati Pezzin





- por Karol Felicio


Mudei de casa. E senti o cheiro da minha rua pela primeira vez. Tem cheiro de mato cortado. De fato está. E já dá para ver os balanços sobressaindo, e quase dá para ouvir as crianças brincando no parque. Ainda está abandonado, mas ando enxergando além.

Tenho me enxergado colorida, não sei se é do sol ou do espelho. É que tem calor demais em mim. Acho que nem o próximo inverno vai me desbotar.

Eu tenho andado em paz. E só Deus sabe a violência que anda essa cidade. Às vezes me assusto, noutras durmo sorrindo no caminho para casa. Às vezes vou a pé, sentindo o cheiro das coisas. Alguns eu nem conhecia.

É que tenho acordado doce. Meu amor tem tornado meus dias mais doces. Em todos eles, se esforça para me mostrar que estou no caminho certo. Mal sabe ele que isso não me preocupa mais.

19 de set. de 2009

Anjos amor







- por Karol Felicio

Para onde vão as pessoas boas?

Por onde voam os anjos que Deus vem buscar de nós?

Quando um anjo sai da nossa vida deixa um espaço aberto, um vão que venta gelado dentro do coração. A gente não quer deixar, quer voltar o tempo, acordar do pesadelo e, às vezes, quer ir...

Mas a gente fica, segue em frente, a gente renasce, os anjos renascem dentro de nós, nos tornam força, solidariedade, caridade, coragem. Quando os anjos partem nos tornam pessoas melhores.

Missão, destino, dever cumprido, etapa... A gente não entende, sem opção, a gente aceita.

Enquanto o tempo passa aquele buraco enorme vai sendo preenchido por lembranças, por essa onipresença constante, por termos a prova - em muitos momentos - de que eles estão ali, de que zelam por nós, de que somos mais fortes por eles, de que devemos viver por eles, de que o amor é Deus, é benção, é dádiva, que devemos compartilhar, de todo o coração e sem reservas. Esse vazio ainda estará ali, mas será menor. E a gente aprende a viver faltando um pedaço.

Quando sorrirmos, quando lembrarmos, quando uma lágrima cair, quando nos revoltarmos, quando dividirmos com alguém um momento da passagem desse anjo, quando respirarmos aquela paz, quando o amor nos tomar... Ele estará ali, entre nós, dentro de nós, conectados pelo coração, verdadeiro cordão umbilical.

2 de set. de 2009

De uma letra só

- por Karol Felicio

Tenho uma fila de poesias encomendadas que me travam
Textos a quatro mãos, orelhas, auto-retratos, temáticos, cartões
Mas poesia não se compra, não se vende, nem se doa
Meu escrito é egoísta, regurgita,
Meu poema não se come, definha, morre de fome
Meus versos solitários não casam com mais nenhum, não combinam, fogem,
por mais que queiram, secam, só de pensar
Meus versos são como eu. Eu seco. Só de pensar.
Eu minto, invento cores, corações, pavores. Meus versos às vezes doem, às vezes fingem. E minhas letras se unem e mentem por mim. Meus versos mentem, mim que não sou.
E tem quem compre, mesmo que eu não venda.

17 de jul. de 2009

O buraco

Google Images

- por Karol Felicio

Eu cavei um poço na minha cabeça. É para lá que empurro meus pensamentos e caio. Até que a água do fundo vaze pelos cantos dos meus olhos.

Eu crio imagens, jogo de cenas. Vivo num cinema de uma só cadeira assistindo a trailers intermináveis que eu mesma crio para me fazer chorar. Eu não acredito em final feliz.

[Meus pensamentos são uma arma, apontada para a minha própria cara, prestes a disparar]

2 de jul. de 2009

Coisa de Costume






- por Karol Felicio

Ninguém pode só florir
E espero que você entenda
Que os sorrisos às vezes gastam
E só voltam quando querem
A qualquer amanhecer

Não que seja desesperador
- Mas é de esperar -
Um instante até que a janela abra
Até que ela desabroche
Para morrer mais uma vez

21 de jun. de 2009

O que te inspira?

Foto: Rosi Monteiro



- por Karol Felicio

Eu não sei colocar preços nas coisas. Um João me ofereceu “um trabalho independente de poesias com desenhos em nanquim a uma quantia voluntária” eu quis, mas não comprei. Eu não gostaria de por um preço no João.

Também não sei o quanto vale o meu sossego. Mas sei que vale muito. Eu pago caro por você. Você é o escambo que fiz pelo meu sossego.

[No que você pensa enquanto eu penso em alguém que não é você? Normalmente você faz silêncio...]

Eu não tenho tido tempo de pensar. Preciso silenciar, deixar o corpo calar, e parir palavras que derramem no papel.

Hoje eu vi tantas coisas belas, rosas de tantas cores, laranjas amarelas, como nunca as tinha visto. Fluorescentes. Florescendo.

Também tinha um velhinho corcunda, sentado sob o busto de um senhor esguio, numa praça. Seria D. Pedro? Ele usava óculos engraçados...

O que te inspira?

28 de abr. de 2009

Meu Pedaço

Google images

- por Karol Felicio

É tão afinado que não sei se te sigo ou me deixo fluir
É tão perfeitinho que não sei se existe ou fui eu quem pari
É tão combinado que eu já não sei quando é moda
- como “bolsa e sapato” –
Ou se hoje eu queria andar nu e descalço para me sentir livre,
como quando nasci
- mas deve fazer frio assim -

É tão óbvio, certeiro, fácil
É pré-moldado, sob medida, encomendado
É tão inacreditável
Que eu fico a me perguntar
Será que o nosso amor existe
ou foi só uma farsa que eu consenti?

É que quando acordo eu não sei se sonhei ou vivi
É que quando juro eu já não sei se menti
E eu já não sei se fico para o parto ou prefiro partir

É que eu tinha um buraco no peito
Era gelado e doía
- que tilintava -
Você veio ser o pedaço que faltava
Eu aceitei
- nada custava –
Agora já não sei se existo se não for assim

11 de mar. de 2009

Reciclo

- por Karol Felicio

Escrevo no verso de um coração rasgado
Remendo esse papel esgarçado
Começo uma nova história

Em poucas linhas vem página nova
Use a caneta tinteiro quando a certeza chegar
Não rasure nem rascunhe
A vida se escreve uma única vez

Faça pinturas, eu quero cores!
Amarelos brilhantes, vermelho sangue
E desenhe sorrisos, muitos sorrisos

Quando cansar não me guarde na gaveta
Respiro sol, exposição, luz...
Para mais tarde reserve lápis azuis
Quando escreveremos Fim, como nos contos de fadas

E em seu colo pousarei tranqüila e o dia não amanhecerá.

5 de mar. de 2009

Quando a saudade é boa

- Karol Felicio

Saudade que aperta o coração
Mas é aperto de conforto
Não dói
É olhar a cama enorme e achá-la quente,
Abraçar dois travesseiros
Aconchegar-se
É sentir-se abraçado mesmo longe
É quando perto, parecer dentro
E quando dentro nem parecer...
Ser
Eu.

5 de jan. de 2009

Sintomas

- por Karol Felicio

É um buraco negro
Onde nunca assentam as coisas aqui dentro
Onde nunca encontro as consequências para as minhas causas

Dos atos e efeitos...
No cheiro do seu cabelo, a minha cura
Na sua perversão, minha loucura
No imoral, a minha tara
E no rubor, a minha cara

Dos medos...
Num enroscar de braços e pernas e peitos e bocas, da solidão
Num sono profundo, o de acordar
Na abstenção, o de errar
E no excesso, o de faltar

Amo tudo que te faz arder, e me orgulho quando faz doer
Algo assim de rasgar seu peito e entrar, aconchegar
Isso de buscar uma completude, um antídoto, preenchimento
Busca incessante isso
Consome e seduz
É querer mais
Até ser vício

Envolvimento...
É um lugar onde não se vê o fundo
Mas tem vontade de se atirar
É desejo, entrega, vertigem
A gente não sabe onde vai dar
Mas a gente vai.