28 de nov. de 2007

Fazenda

- por Karol Felicio

O que era tronco, era açoite, agora é almoço e não é mais senzala. Cheiro de comida boa. Para comer até amarrada.

Era engenho, moinho, cana, açúcar, cachaça. Era mão calejada e suor. Agora ornamentação.

E os que já foram, hoje são tudo para alguns e retratos pregados para outros. Guimarães Rosa, Chico Xavier, Adélia Prado, Dona Beija. Poetas, figuras, imortalidade.

Esporadas e o cavalo corre, a brisa gelada dilata o pulmão e o coração. Trota, relincha, cansado. E o que era necessidade hoje prazeres brutos.
Ancestralidade.

E a paisagem que era, ainda é, ainda desperta os sentidos de uma forma bem particular. Cheiro de mato, terra molhada, fazenda, estrume, carrapato.

Lindas Minas. Mineração, ouro, diamante, ferro. Trabalho, sangue, dor e morte. Valioso e bruto quilate.

O que era, o que é, o que não é o que parece, o que não existe mais...
Porque tudo, ou quase, é uma questão de ponto de vista e tempo.

18 de nov. de 2007

Visceral

- por Karol Felicio


Gosto de quem gosta do novo
De quem é novo e está à frente
Como eu, meus amores, meus amigos,
Ahhhhh, meus amigos tortos e meus amores mortos... que insistem em sobreviver!

Cansa-me quem se inspira e quem exala o comercial
Cabelos lisos, bundas duras e o último capítulo da novela das 8
Saaaaaaaaaaai! Eu não quero!

Quero surpresa, quero rir espontaneamente
Quero o ofegar pulsante e perder o ar diante do novo
Não quero mais o comum, o lugar comum...

Quero gargalhar e ver minhas amídalas numa bandeja
Quero uma vida visceral, exposição de órgãos e meu corpo molhado,
dilacerado a secar ao sol
Quero-me correndo nua
nos mares e bares e quaisquer todos os lugares

Quero amar, enlouquecer, me jogar e me entregar como um banquete
Para ser devorada como tal

Quero sentir tanto até que meus poros explodam de paixão
E gritem mais
E me desintegrem e mil mins

Eu quero tudo... Para que o mundo veja como é chato, e como são chatos todos os normais

16 de nov. de 2007

Pour vous

-por Lívia Francez

Personificação do meu desejo
Povoa meus sonhos noite após noite
Que petulância é essa?
Que atrevimento no seu sorriso debochado!
Essa forma de tocar com uma suave pressão que me faz entregar os pontos
Para que você possa percorrer meu corpo ao bel-prazer da sua curiosidade

Saia da morada de Morfeu e venha pra realidade
Para juntarmos a minha metade e a sua metade
Matar esse desejo de carne
Sugarmos todas as nossas almas
E transformarmos em sonho o que não é.

15 de nov. de 2007

Não à burocracia

-por Lívia Francez
Burocracia de amores não faz minha cabeça. Contratos de casos me causam náuseas. Sou muito mais o incomum, o sem papel, o errante. Sem script, sem pauta, só uma grande e deliciosa tela em branco, esperando que alguém inovador venha usar as tintas como Pollock ou Dalí, a criação de uma nova convenção, em que o óbvio é descartado, onde novos conceitos surgem, mas não precisam de cartilha, só de trilha.

A surpresa em cada gesto, o inesperado a cada dia. Sem o servidor na repartição com seu carimbo tenebroso – bum – errado! O certo é o que nós temos, não o que tememos, o certo é o nosso sentimento, não o que disseram ser correto. Sem linha reta, sem cálculos, sem matemática nem gráficos. Sem ternos escuros, salas acarpetadas ou burocratas de bigode. Sem linearidade, tudo na transitoriedade.

Vem, preenche, deixa sua marca e parte. Ou fica. Faça o que quiseres, porque aqui funciona na base da anarquia sentimental, da bipolaridade amorosa. Hoje te odeio, mas amanhã tudo passa, volto a te amar, mesmo que nunca tenha deixado de sentir esse formigamento que sobe a espinha. Arrepio de gato constante.

E assim levamos a nossa história, sem amarras. Compromisso só com o acaso. Relação com a eventualidade. Marcas das mais diversas: de histórias, de dentes, de conversas intermináveis, de canções, de amor. Flertando com a escuridão e descobrindo o arco-íris. Vivendo leve, com as cores, sem os números.

10 de nov. de 2007

Tentativa da poesia

-por Lívia Francez

Não sou mais aquela garota que arrastaria um bonde por você
Não quero ser aquela a quem você recorre nas horas de desespero
Tudo aquilo que eu tenho pra mostrar eu guardo
Guardo para aquele que vai saber fazer bom proveito de todo esse sentimento represado
Não mais menina, não mais a tola
Agora mais fiel a mim mesma
Mas ainda mantendo a inocência
(Afinal sou a infanto adulta mais madura que conheço)
Eu me criei nos tropeços
Eu conheço as estradas tortuosas
Eu espero
Eu calculo
Eu me jogo
Mas não deito
Não mais na sua cama
Sem a antiga ilusão
Partindo rumo a um novo caminho
Abrindo picadas à foice
Desbravando o solo do meu sentimento
Não preciso de mais nada que venha de você
Preciso descobrir o que resta em mim.

9 de nov. de 2007

Sou só eu

- por Karol Felicio

Sou tempero na sua fome e cachoeira na sua sede
Sou caras e sou bocas
vermelhas, molhadas, lambidas
Sou pegadas e mordidas, sou seu fruto proibido
seu tapete e sua escada

Sou o que você sonhar
Mas não sou sua, meu bem, não pertenço a ti nem a ninguém
Sou livre, de alma leve, coração ardente
Sou floresta e sou semente em terreno fértil onde o que se planta dá

Sou santa e imaculada, imagem nunca tocada, mulher para ser venerada, dama e pernas cruzadas
Sou seu porto e te seguro, seu banquete e seu altar, sou o que você sonhar

Mas sou eu
E sem algemas
Não sou sua, meu bem, não te pertenço nem a ninguém.

4 de nov. de 2007

Dose de saudade

- por Karol Felicio
E essa dose, e esse frio, e esse jazz que quase machuca
E meu coração de pedra já está em pedregulhos
E a saudade vem, e a saudade dói
Mas a saudade é boa quando vem, mas sabe que a volta é logo
Porque a saudade é cama fria e mesa posta
esperando que a garrafa vire antes que o café esfrie
É um vazio que se vê o fundo
É o frio que sobe a espinha e um calor que dá no estômago
Mas no fundo a saudade é leve
O que dói é breve
O que fica é forte
A demora é longa
Então volta logo
Que a saudade é pressa.

2 de nov. de 2007

Entrega fácil

-por Karol Felicio

Entrega fácil começa assim
Misto de desespero e solidão
Qualquer coisa assim de uma sexta-solitária- feira à noite
Todos os planos de entrega ao cara certo vão pelo ralo
No ralo dos sonhos, das verdades e das certezas


As opções se restringem e se restringem e se restringem
E o que era a sua forma de encarar a vida vai junto com os sonhos as verdades e as certezas pelo ralo

Falta de perspectiva, falta do amanhã e o hoje já é tão insuportável...
E aí começa o pior
A entrega inevitável, como uma força maior que a fé de que as coisas vão melhorar ao amanhecer

Entrega de vida, falta do que se apegar, despertar de um sonho para o pesadelo da vida real, falta de forças para matar o maldito leão por dia, falta, falta, falta...
De amor nem vou falar, tudo pode ficar pior

Me entrego ao ócio, à fossa, ao fundo do ralo
Me entrego a você que for o primeiro que cruze meu caminho
E desço mais, porque entrega fácil não tem fundamento, não tem amanhã, não tem fundo. Só tem fim e só tem hoje
E de hoje eu não espero mais nada.